segunda-feira, 16 de julho de 2012

Sou diferente daquele que os outros vêem.

As vezes me olho no espelho da vida, me vejo de várias maneiras. Estou velho, mas, nem sempre é apenas isso que consigo ver. Quem tenho sido eu? Como os outros me vêem? Não sei como sou observado, considero que sou muito mais do que posso ser visto, devido o olhar humano ser limitado e temporal. Estou, fisicamente, marcado pelo tempo. Emocionalmente também. Meu comportamento se confunde na memória da minha existência histórica e no registro do meu coração. Sou agora, também, pela audácia de ter vivido e ter pago pedágio para as horas (a unidade de marcar a vida), um idoso, de hábitos incertos em função das “coordenações e associações” que não são mais as minhas aliadas, e, realizo tudo com o maior esforço, muito diferente da pessoa ágil que fui um dia. Vejo em mim o que ninguém vê: - uma criança alegre, brincando com seus primos, amigos de escola e da rua, vivendo numa família organizada. Brincar era o meu ideal de felicidade; - o adolescente inquieto e sonhador, que se transformava, orgânica e mentalmente. Amigo dos seus amigos, aventureiro na arte de descobrir quem gostaria de ser e, de se revelar na conquista de uma menina, amada, futura mãe de seus filhos. Procurar, encontrar, descobrir e revelar-se era o meu ideal de felicidade; - namorado, noivo, marido, amante, companheiro, conquistador, educado e educador, pai, trabalhador, terapeuta e professor, caminhante determinado, viajante sem determinismos (entendendo que o destino é o caminho), visionário, disponível para abraçar e ser abraçado (principalmente pelos seus alunos), acolhedor de necessidades e estimulador de possibilidades...testemunhando que o sentido da vida é aquele que conferimos á ela... desfazendo mistérios, adquiridos e herdados, construídos pela falta de conhecimento ou de conhecimentos equivocados. Amar e ser útil era o meu ideal de felicidade; - fui transformador e transformado no mesmo processo, por pessoas, na forma de pensar e agir, para sentir o mundo. Transformação e aprimoramento era o meu ideal de felicidade; - como outros busquei, incessantemente, a realização das necessidades e dos desejos, no encontro do prazer, e, descobri o seu significado na conquista e manutenção da liberdade e bem estar, para harmonização da saúde, orgânica, emocional, para ser referência para o seu grupo social. O esplendor da vida espiritual era o meu ideal de felicidade; - foi bom ser guia de alguns e aplaudir o sucesso de todos. Ser bom companheiro era o meu ideal de felicidade; - fui, deliberadamente, refém, da necessidade de estar envolvido no processo de “encerrar” ciclos para “construir” outras etapas. Morrer em cada fase de vida para nascer em outras, (determinadas por eventos típicos e ocasionais) e, projetar- me em outras formas de perceber o mundo e renovar-me, era o meu ideal de felicidade; - como viúvo, mesmo sentindo o gosto amargo, traduzido no sabor da cinzas da amada que morreu, renascer mais forte do que antes foi fundamental; não tenho medo da vida...que venha...encontrará um guerreiro...que não teme o combate. Ser o protagonista da minha história era, mais uma vez, o meu ideal de felicidade; - mais do que ser pai, tive o privilégio de experimentar o diferente e difícil de descrever (pelo seu fundamento) o nobre exercício do amor de mãe. Viver e promover o bem estar familiar, era o meu ideal de felicidade (família é o principal grupo social); - como velho, não temo a morte... sinto pena por deixar de viver... este é o único mistério. A vida sem mistérios é o meu ideal de sabedoria; - vejo meus alunos serem excelentes professores, contribuindo na formação de futuros profissionais, e me emociono com o legado. Sentir-me realizado com a realização dos outros é o meu ideal de sabedoria; - li , escrevi , disse , explicitei , materializei o confesso que vivi...continuo jovem na lembrança dos meus filhos, alunos e amigos. O bem coletivo é o meu ideal de sabedoria. A vida chegou um dia (há muito tempo), quando ainda não esperava e, parte dela compartilhei. Muito de mim se foi, para construir novas famílias, assim é a vida, seguindo em frente. Fico com as lembranças do que fui, não vivo no que passou, mas, o que foi ainda vive em mim. Assim me vejo, como os outros não me vêem: várias vidas, vários personagens, numa única existência, marcada por dois eventos naturais, que são o nascimento e a morte. Morro eu, jamais os personagens que fui, amante e amorável. Hoje, graças a tecnologia, visito o meu passado e algumas pessoas com quem convivi fases da vida. Não há encontro presencial, mas, emocionalmente é real. Lembrar é viver mais de uma vez. Quando deixar este mundo, e não mais existir a presença da imagem que vejo no espelho, o faço tranquilamente e acompanhado, de mãos dadas, com os personagens que fui e nunca os escandalizei: o velho, o adulto, o jovem e a criança, que ainda gosta de brincar (mudaram apenas os brinquedos). Sou muito mais do que os outros conseguem ver, com olhos limitados e pré-conceituosos. Felizes os que conseguem ver com “olhos humanos” e interpretam com a “sensibilidade da alma“. Sou mais do que um conjunto de músculos, ossos, tendões, órgãos falidos e pele enrugada... sou o resultado das experiências que vivi. Jamais conseguiria ser, a pessoa que gosto de ser, sem você. Obrigado amigo, pela sua participação na minha vida. Meu ideal de sabedoria é o reconhecimento, gratidão e manifestação. Fui e sou apenas o que consegui ser...alguém que busca. Sempre feliz, não por ter conquistado, mas, por ter lutado.

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