segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
Aprendendo Com as Celebridades
Capítulo II
Pensando a Sexualidade
Georges Bastaille foi um escritor francês que viveu entre 1897 e 1962. Sua obra literária é significativa no campo da Antropologia e Sociologia, na Filosofia e História da Arte.
O tema principal dos seus escritos é sobre o erotismo, envolvem também a transgressão e o sagrado.
No erotismo encontrou ele a chave que desvenda os aspectos fundamentais da natureza humana, o ponto limite entre o natural e o social, o limite entre o humano e o inumano. Considerava que entre todos os problemas humanos, o erotismo é o mais misterioso, o mais atuante e o mais distante. O comportamento humano está exposto e influenciado às mais surpreendentes pressões pelas circunstâncias, existe uma imposição orgânica e emocional que nem sempre conhecemos e temos o devido controle, o que possibilita as vezes não nos conhecermos o suficiente, podendo termos medo das nossas próprias reações. Nossos movimentos eróticos e as nossas reações, nos inquietam. Na constante dualidade que caracteriza o pensamento humano, o que existe de “santo” na nossa vida, se afasta com a presença do “sensual” que nos aterroriza. Isto é, o que existe de santo em cada pessoa, necessita ignorar a unidade das paixões inconfessáveis que existe no sensual.
Diante deste complexo jogo de pensamentos, que sugere ações para sentir significativos prazeres, diz ele que o homem não tem possibilidade de esclarecer e esclarecer-se melhor se não dominar o que o aterroriza. Revela ainda que com isso ele não quer dizer que o homem deva esperar um mundo em que não haja motivos para sentir-se desconfortável e sem medos - fazendo referências ao erotismo e a morte que se encadeiam como peças de um mesmo instrumento - mas sim que o homem pode ultrapassar aquilo que lhe causa terror e, assim, poder olhar de frente o que lhe aterroriza.
É impossível um único entendimento sobre o significado das palavras e sua representação na vida do ser humano, principalmente quando falamos em sexualidade, erotismo, Eros, libido, considerando que diferentes autores e literaturas escrevem diferentes definições, conceitos e explicações.
Costumo dizer que o homem tem uma dupla existência:
- uma dimensão física, orgânica, visível e mensurável, determinada pela herança genética, que é o sexo e definido pela genitália. Portanto existem apenas dois sexos entre os humanos, o masculino e o feminino. Para mudar de sexo é preciso mudar de genitália.
- uma dimensão psíquica, não visível e subjetiva, influenciada e construída pela família, pela cultura, a religião, as diferentes terapias, a sociedade...e, esta dimensão psíquica se transforma conforme as experiências, interferindo sempre na forma e conteúdo do comportamento humano, formando o gênero humano. A esta dimensão alguns autores se referem como a sexualidade humana, o ser e manifestar-se pessoa.
Portanto, o que caracteriza o sexo é a genitália e o que irá caracterizar o gênero humano é a sexualidade, o comportamento nas relações: consigo mesmo, com os outros e com o mundo. A sexualidade é a forma de pensar e agir para sentir o mundo, o que sempre será um aprendizado, necessitando de modelos para atender as perguntas básicas da existência humana: quem eu quero ser? Como quero me revelar nas relações? Como posso e quero existir?
Conforme diferentes estudos literários, parece não existir mais dúvidas que o ser humano vive numa dinâmica psicossomática, onde uma dimensão influencia a outra. De um lado nós temos um organismo e suas ações naturais, um processo de oxidação e combustão influenciado pelos hormônios e, identificado pelo sexo, de outro lado temos uma dimensão caracterizada pelo aprendizado (na formação do gênero humano, os homens e as mulheres aprendem com as mulheres - a mãe, a avó, a tia, a babá, as professoras - o universo tem alma feminina) que é o ser pessoa, a sexualidade.
Estas duas dimensões necessitam ser fundidas, transformando-se numa unidade, para que a pessoa possa se manifestar como um ser bio-psico-sócio-espiritual, a este processo podemos chamar de erotização, considerando que a palavra Eros significa, por excelência, vida. A responsável por este processo é a mãe ao estabelecer uma relação afetiva com o filho; fato facilmente observado na naturaza entre os diferentes seres vivos.
Sigmund Freud usava a palavra Eros para definir libido ou impulso vital, o principal elemento na determinação do comportamento humano, ao lado da morte. Portanto a energia psíquica de Eros é referida como libido, por isso disse ele que a energia humana é essencialmente libidinosa, que o homem vai transformando-a em outras formas de energia, conforme a necessidade do momento e as circunstâncias. A palavra Eros inclui tudo que significa prazer, como contato físico, alimentação, alegria, movimento...
Portanto, a grande motivação humana é a busca do prazer, originado pelo desejo, de quem somos eternos aprendizes. Não fosse outras ocupações, buscaríamos a realização no sexo o tempo todo, por isso que o Homo sapiens não é monogâmico, desde a sua origem, o Homo neanderthalensis.
Para Bataille a humanidade nasceu da lei: “erotismo e transgressão”. E, de sua consciência, o homem se percebe como parte deste imenso universo de possibilidades e sentimentos que é a vida. Faz referência que o erotismo, por ser uma experimentação da ausência de limites, é semelhante a uma morte vislumbrada, como magnitude e não como fato. Para ele sexualidade e morte são apenas os momentos culminantes da festa que a natureza celebra com a inesgotável multidão dos seres. Uma e outra têm o sentido do desperdício ilimitado a que a natureza procede contra o desejo de durar que é propício de cada ser. O que justifica os franceses chamarem o orgasmo de petit mort.
Viviane Mosé diz que “o erotismo pode ser pensado como o espaço entre o biológico e o cultural, um espaço de inter-relação e não de oposição, que é capaz de contemplar a grande contradição que marca os homens em seu processo de humanização: eles precisam de limites para se organizar, precisam da cultura, mas, ao mesmo tempo, precisam suspender provisoriamente esses limites, precisam exercer o excesso da vida que habita seus corpos, precisam da natureza e de seus excessos, para se potencializarem. É o que acontece na dança, nas festas, no sexo”.
É intensa e transformadora a força da “energia da vida”, representando todo esplendor da natureza. Os animais, particularmente o ser humano, tem o poder de imaginar e criar (criação é a ponte que comunica o interior de cada pessoa com a universalidade da vida), para a conquista do prazer. Mas, necessita conter esta vontade, e, para viver em grupos sociais estabelecem-se regras de condutas para serem observadas, conforme a cultura e crenças religiosas, para determinar os limites e terem uma pratica aceitável de convivência. Está estabelecido um conflito, existe o limite imposto pela lei e garantir a ordem, em oposição à vontade de transbordar de prazer, entretanto, para celebrar a existência da vida é preciso transgredir este impedimento, mesmo que temporariamente. Como administrar a força da natureza (erotismo) e o impedimento da lei (ordem) sem transgredir?
A energia vital nos impulsiona para a vida em abundância, nos obrigando a participar ativamente na busca do prazer proporcionado pelos afetos, encontros e relações, paixões, entretenimento, degustação, amor e sexo, para sermos os protagonistas da própria história, nos obrigando realizar escolhas, mesmo que por vezes tenhamos que transgredir a ordem, para prevalecer a força natural da vida. Este é um jogo de paradoxos, temos a vontade pela realização do desejo e criamos as leis para limitar as suas conquistas, nos obrigando a transgredir sem termos sempre o controle de todos aspectos envolvidos na sensação e no fato.
Como nos relacionarmos com o erotismo, com a transgressão e o sagrado, se nem monogâmicos somos?
Já que a vida é uma invenção, como disse Ferreira Goullar, inventamos situações que com o tempo nos acostumamos e podemos aceitar como normal. Os jovens criaram o estado de relação entre duas pessoas sem compromisso e chamam de “ficar”; assim numa mesma noite pode-se ficar com uma ou várias pessoas e isso se repete em outras oportunidades, atendendo o apelo sensual sem comprometer o modelo do sagrado (o anti modelo das mulheres é a prostituta e não a homossexual, diferente dos homens, que o anti modelo não é o galinha e sim o homossexual).
Os adultos tem seus casos: com garota de programa, colega de trabalho, conhecidos, amantes ocasionais ou de relação mais constante, como também a possibilidade de vários casamentos ou relações estáveis.
Quando os primeiros estágios da evolução da espécie humana vivia na natureza e às expensas dela, a realização do sexo era um procedimento natural. Agora afastado da sua animalidade, o “homem que sabe” tem que se ajustar, com renúncias e racionalizações, com transgressões sem grandes complexidades, ou simplesmente perder o “juízo” e a vergonha.
Astor Piazzolla em uma de suas composições diz que foram os loucos que inventaram o amor.
Leo Buscaglia, o professor do amor, diz que o amor pode ser um aprendizado.
Em seu livro “A cientificarão do amor” Michel Odent, revela a importância das relações afetivas, principalmente nos primeiros anos de vida, para desenvolvimento da oxitocina, o hormônio do amor. O amor tem que ser desenvolvido e aprimorado nas relações, à partir da relação mãe filho, formando uma unidade mãefilho.
O amor é um importante sentimento que faz parte do universo e pratica do erotismo, cuja palavra é utilizada também para a realização do ato sexual, quando dito fazer amor, no encontro e relação entre dois corpos (ou mais no sexo grupal). A pratica do sexo, além do prazer pela utilização da energia libidinosa e do orgasmo, é uma excelente oportunidade para não nos sentirmos sós. A solidão é um dos maiores “sofrimentos e geradores de transtornos” na vida humana. Somos seres gregários, mesmo tendo dificuldades para vivermos em “matilha”.
Mesmo não acontecendo a fusão de corpos, o amor sempre terá uma representação erótica, com conseqüências importantes, que sempre deverão ser valorizadas. O amor é realizador, mesmo na distância entre dus pessoas existe uma presença transformadora, permitindo-nos afirmar que quem ama, por diferentes formas e motivos, tem vida interior e quem as tem não padece de solidão (assim é com as diferentes manifestações da arte, como referia-se Artur da Távola com a música).
Entendo que o sexo é estável, fixo, determinado pela genitália, caracterizado pelo desenho e composição dos gametas herdados pelo patrimônio genético dos pais. E, a sexualidade não é estável, varia conforme as circunstâncias, determinada pelo complexo resultado de varias relações, envolvendo agentes variáveis como: o império dos hormônios (é significativo o seu mandato, nem sempre permitindo-nos realizar escolhas), o processo de erotização, a capacidade de amar, a educação, a cultura e a religião.
Obs.: não se escolhe o comportamento sexual, apenas respeita-se a influência dos hormônios para a obtenção do prazer, e, administra-se o conflito que envolve o desejo e os costumes: o erotismo, a transgressão, o sagrado e o sensual.
O homem é um animal, que existe como humano quando está em relação. A sexualidade determina o nosso comportamento nas relações, influenciada pelo erotismo. Considero as diferentes manifestações de afeto, como produto do amor, a principal forma de erotização.
Assim disseram algumas celebridades:
Platão (Século IV A.C.) – “Aquele que ama é um ser mais divino do que o amado, pois está possuido por um deus. [...] Concluo, portanto, que Eros é o mais antigo, o mais honorável e o mais capaz entre os deuses de proporcionar a virtude e a felicidade dos homens, seja durante a vida, seja após a morte”.
Erasmo de Rotterdam (1511) – “Considere que Platão teve um sonho semelhante quando escreveu que o furor dos amantes é de todos o mais feliz. De fato, o amante apaixonado já não vive mais em si, mas inteirinho no objeto amado; quanto mais sai de si mesmo para se fundir no objeto, mais se sente feliz. Assim, quando a alma pensa em escapar do corpo e renuncia servir-se normalmente de seus órgãos, julga-se com razão que ela tresvaria. As expressões correntes não querem dizer outra coisa: ele está fora de si, volte para si, ele caiu em si. E quanto mais perfeito é o amor, mais forte o tresvario...e mais feliz”.
Através dos tempos, o amor tem sido considerado como uma força essencial e transformadora, é energia para a vida.
“No amor basta uma noite para fazer de um homem um deus” – Propércio (Século I A.C.).
“No amor tenho sempre a impressão de que uma felicidade ilimitada, além dos meus mais desvairados sonhos, está logo alí dobrabdo a esquina, aguardando apenas uma palavra ou sorriso. [...] A beleza não é senão a promessa de felicidade” - Stendhal (1830).
O amor como forma de erotismo exige a transgressão, para plena realização do prazer.
“Quando não se ousa amar sem reservas é que o amor já está muito doente” – Goethe (1830).
“Nem a um deus é facultado amar e manter-se sábio” – Publius Syrus (Século I A.C.).
Em busca do prazer, somos obrigados a sacrificar o sagrado, mesmo que temporáriamente. Temos que ultrapassar os limites impostos pela cultura para
experimentarmos a vida em plenitude; para atender o apelo do sensual, preterimos o sagrado.
“Desejar violentamente uma coisa é tornar-se cego para o demais” – Demócrito (Século V A.C.).
Vida e morte; erotismo e transgressão; sagrado e profano; bem e o mal; amor e desamor; valoração e indiferença; cara e coroa....são faces diferentes da mesma moeda.
Disse Kant (1782): “O amor, enquanto afeição humana, é o amor que deseja o bem, possui uma disposição amigável, promove a felicidade dos demais e se alegra com ela. Mas é patente que aqueles que possuem uma inclinação meramente sexual não amam a pessoa por nenhum dos motivos ligados à verdadeira afeição e não se preocupam com a sua felicidade, mas podem até mesmo levá-la à maior infelicidade simplesmente visando satisfazer sua própria inclinação e apetite. O amor sexual faz da pessoa amada um objeto do apetite; tão logo foi possuída e o apetite saciado, ela é descartada tal como um limão sugado”.
Schopenhauer (1844) – “ A ação de servir à espécie por meio da fertilização e fecundação é sucedida, no caso de cada animal individual, pela momentânea exaustão e debilidade de todos os seus poderes, e no caso da maioria dos insetos até mesmo pela morte antecipada; por esta razão, afirma Celsus: A ejaculação do esperma é a dispersão da alma. No caso do homem, a extinção do poder de procriar revela que o indivíduo se aproxima da morte; em qualquer idade, o uso excessivo desse poder encurta a vida, ao passo que a moderação promove todos os poderes, especialmente a força muscular. Por essa razão, a abstenção e a moderação faziam parte do treinamento dos atletas gregos. A mesma moderação estende a vida do inseto até a primavera seguinte. Tudo isso sugere que, no fundo, a vida do indivíduo é apenas algo tomado de empréstimo da vida da espécie, e que toda força vital é, por assim dizer, força da espécie contida por meio de um represamento”.
Diferente dos outros seres vivos que se acasalam apenas para a procriação, os humanos por também sentirem significativo prazer com a realização do sexo, estão mais disponíveis para a pratica sexual. É preciso lembrarmos que a sua energia de vida é libidinosa, necessitando de outras atividades, como a organização do trabalho, para a transformação e utilização desta forma de energia. Enquanto animal integrado na natureza havia outro entendimento e aceitação natural para a atividade sexual e, agora, ao afastar-se da natureza e perder a sua condição de animalidade, o ser humano está submetido às regras e costumes.
“ A experiência mostra que os homens rústicos, de espírito mais grosseiro, dão parceiros sexuais mais vigorosos e desejáveis; deitar-se com um carroceiro é com frequencia mais gratificante que deitar-se com um gentil-homem. Como poderíamos explicar tal coisa, exceto pela suposição de que as emoções no interior da alma do gentil-homem minam e esgotam a força do seu corpo, assim como exaurem e deformam o seu espírito?” – Montaign (1592).
Freu (1930) disse: “ A vida sexual do homem civilizado encontra-se, não obstante, severamente prejudicada e dá a impressão, por vezes, de estar em processo de involução quanto a função, tal como parece acontecer com os nossos dentes e cabelos. É provalvemente justificado supor que sua importância como fonte de sentimentos e felicidade e, portanto, na realização de nosso objetivo de vida tenha diminuido sensivelmente. Às vezes somos levados a pensar que não é somente a pressão da civilização, mas algo ligado à natureza da própria função que nos nega plena satisfação e nos incita a buscar outros caminhos. Isto pode estar errado; é difícil decidir”.
O “homem dos instintos” já não existe mais, ficou na natureza; com o tempo e seguidas transformações tornou-se o “homem que sabe”, que necessita aprender tudo para viver em sociedade.
Justifica a pergunta de Ma Mettrie (1747) “ O que é ganho do lado da inteligência é perdido do lado do instinto. Qual deles é maior, o ganho ou a perda ?”.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário